Atores e professores têm a memória mais exigida.
Tenistas profissionais melhoram com a ajuda da neurociência.
Este é o quinto e último episódio da série especial "Cérebro,
máquina de aprender". Durante toda a semana, o Jornal da Globo mostrará
que a aplicação da neurociência, a ciência que estuda o cérebro, é capaz
de resultados excepcionais na vida das pessoas.
Murilo Rosa, 42 anos, ator. Elvira Souza Lima, 62 anos, professora.
Será que essas duas profissões têm algo em comum? “As duas profissões
que se caracterizam por conservar a memória em idades avançadas são a de
ator e a de professor, as duas em que o indivíduo mais tem que ler. A
leitura é uma das coisas que mais ajudam na memória, que mais exercitam a
memória”, diz o neurocientista Ivan Izquierdo, da PUC/RS.
E acredite: malhar também faz bem à memória. Pesquisas de universidades
americanas mostraram que a prática regular de atividades físicas ajuda
a pensar com mais clareza e melhora a aprendizagem.
Antes de ser ator, Murilo Rosa era atleta. Chegou a participar de dois
campeonatos mundiais de tae-kwon-do. Murilo pratica, com frequência,
duas coisas que ajudam e muito na memória: leitura e exercícios físicos.
Não é à toa que ele lida com tanta tranquilidade com os textos que
precisa decorar.
“O cérebro da gente é tão complexo, é tão interessante, que aquilo ali
já vai se tornando parte de você. Vai ter uma hora que você vai estar
repetindo aquele texto que você nem acredita que sabe daquilo”, diz o
ator.
Aprender é criar novas memórias de longa duração. Um dos maiores
especialistas no mundo em memória é categórico. “Todas as memórias são
associativas. A memória é um fato associativo”, afirma Izquierdo.
Veja essa situação como exemplo: você pensou em Florianópolis, onde
esteve em dezembro. Dezembro lembra o seu filho porque é o aniversário
dele. Aí você se recorda da festa, do bolo do aniversário, do presente
que ele te pediu. Isso te faz lembrar do cartão de crédito, que você
usou para bancar a festa. Lembra de dinheiro e ativa áreas de matemática
no seu cérebro.
A partir de agora, você passa a se concentrar nas contas que tem para
pagar. É a chamada memória associativa, quando uma coisa leva à outra.
Se você associar o que aprende a algum conhecimento antigo, que você já
tenha, fica mais fácil guardar para sempre na sua cabeça.
É justamente o que tentam fazer os professores do colégio Porto Seguro,
em São Paulo. Eles trabalham com fundamentos de neurociência. Um deles é
transformar o aluno em protagonista.
“Você consegue não prestar atenção quando você é o centro das atenções?
Não. Usar atividades em que o aluno faça algo, produza alguma coisa,
colabore com os outros, é fundamental. Uma das melhores maneiras de
aprender é justamente ensinar”, afirma a especialisa em educação e
neurociênciaTracey Espinoza.
Outra descoberta da neurociência fundamental para aprendizagem é a
importância do sono. “Nas últimas décadas, o que tem se mostrado é que o
cérebro continua muito ativo durante o sono, e essa atividade está a
serviço da consolidação da aprendizagem”, diz Fernando Louzada, doutor
em Neurociência pela USP.
Se o estudante não dormir bem, não vai conseguir prestar atenção na
aula, e ninguém aprende sem estar atento. Uma pesquisa da Fundação
Americana do Sono revela que 60% dos adolescentes sentem sono de manhã.
Ou seja, matar a primeira aula, chegar atrasado na segunda e dar uma
cochiladinha na terceira não é apenas corpo mole. É fruto dos hormônios.
“O ideal seria o turno único, começando 9h, 10h, com atividades mais
lúdicas, porque a maioria dos seres humanos é vespertina”, afirma Robert
Lent, neurocientista da UFRJ.
Sair da cama cedo para praticar o esporte que mais ama não é sacrifício
algum para Bruno Sant’Anna. Ele tem 19 e é uma das promessas do tênis
brasileiro nas Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Com o objetivo de aprimorar o desempenho de seus atletas, a
Confederação Brasileira de Tênis (CBT) assinou um convênio com o
laboratório de neurociência do esporte da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC).
“Hoje, basicamente, os tenistas reclamam da ansiedade e concentração. O
nosso trabalho é em cima da concentração, que seria a tensão, e tem a
ver com memória de trabalho, com tomada de decisão. Em todos os
equipamentos, a gente monitora as funções executivas”, diz Emílio
Takase, especialista em neurociência aplicada ao esporte.
A equipe criou softwares que ajudam a desenvolver o treinamento cognitivo dos tenistas.
Enquanto os atletas usam os joguinhos, os profissionais monitoram a
frequência cardíaca, a respiração, as ondas cerebrais. “A princípio,
acredita-se que o comportamento que ele vai ter nesse tipo de situação
vai ser o mesmo em quadra, em situação de jogo. A gente procura treinar
isso”, afirma Mark Caldeira, da CBT.
Bruno tem suado a camisa fora e dentro de quadra pra fazer bonito em
2016. Mesmo durante o jogo, lá está a equipe monitorando tudo. A ideia é
deixá-lo sob pressão para ver como se sai.
“A pressão é um privilégio. Por melhor que você seja, você nunca pode
ficar totalmente confortável numa situação de pressão", afirma o tenista
Roger Federer. Palavras do maior vencedor de todos os tempos, que mudou
completamente de comportamento ao longo da carreira.
No começo, Federer se descontrolava, mas acabou aprendendo a lidar com a
pressão. Durante um ano e meio, teve um treinador mental, como ele
mesmo diz, que fez toda a diferença na vida dele.
Hoje, vemos em quadra um Federer equilibrado, tranquilo, em paz, dono
de um recorde de 17 Grand Slams. “É emocionante imaginar que o corpo
humano pode fazer isso, porque existe aqui alguns quilinhos de matéria
cinzenta que transforma os nossos desejos e pensamentos naquela poesia
motora”, diz Miguel Nicolelis, chefe do departamento de Neurociência da
Universidade Duke.
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